O punk rock morreu três vezes no Brasil: em 1983, 1987 e 1994. Aos
sobreviventes restaram três caminhos: 1) mudar de estilo, 2) agonizar e
morrer anos mais tarde ou 3) resistir. O trio paulistano Cólera escolheu a terceira opção e se deu bem.
Para Redson, seguir em frente significa levantar bandeiras. A primeira
foi a da independência. Depois, a da ousadia. E, finalmente em pleno
terceiro milênio, quando o punk rock volta às paradas embalado em papel
de bombom, um tanto assim adocicado e domesticado, a banda crava a
bandeira da criatividade no solo nacional. “Nunca deixamos o Cólera
ficar à mercê da situação”, diz Carlos Mariano Lopes Pozzi, 44 anos, o
Pierre, baterista e irmão de Redson. “Estamos sempre fazendo a nossa
própria história”. E o público recompensa: “Onde tocamos somos bem
recebidos, por jovens e pessoas de mais idade. As pessoas sabem cantar
as músicas de cor. É uma coisa autêntica e é incrível”, diz o baixista
Fábio de Almeida Bossi, 32 anos.
Punk Vive
E o punk rock (da cena independente, frise-se) acabou não
morrendo no Brasil. Pelo contrário. Vinte e dois anos depois da primeira
crise, a situação virou pelo avesso. O estilo voltou a ser tocado em
todo lugar e o Cólera entrou numa fase de efervescência criativa -
diferente de outros medalhões do underground, como Ratos de Porão e
Inocentes. O RDP virou “banda das horas de folga de João Gordo”, que
ocupa seu tempo como apresentador da MTV, DJ, celebridade e chefe de
família - tanto que o guitarrista Jão chamou velhos comparsas e montou a
Periferia S.A, banda paralela com Betinho (batera) e Jabá (baixo); e os
Inocentes lançaram Labirinto (Ataque Frontal, 2004), disco que recupera
o peso do início da carreira, mas não acrescenta quase nada de novo à
discografia do grupo. Mudar para ficar o mesmo, sabe como é? Sobrou ao
Cólera fazer valer as máximas do “faça você mesmo” e “faça sempre
diferente”. E eles fizeram, levantando agora as bandeiras da ousadia e
da criatividade. “O Cólera sempre foi uma banda com os pés virados para
frente”, confirma Pierre.
Do ano passado para cá, a banda tem trabalhado dobrado, o que resultou
em vários lançamentos, todos de forma independente. Primeiro foi o
excepcional Deixe a Terra em Paz (Devil Discos, 2004) disco que recupera o grito ambientalista de Verde, Não Devaste!
(1990) e traz novas sonoridades à banda, como a quase balada “Águia
Filhote”, a hilária “Circocore” e as pegadas roqueiras setentistas de
“Aperta o Nó”, “Enxadão Man” e “ENQ”. Mas não é só. A banda prepara
diversos lançamentos para 2006. Não perca o fôlego.
A festa de comemoração dos 25 anos do Cólera foi realizada em
fevereiro do ano passado, com show no Hangar 110, em São Paulo. A
apresentação de cerca de três horas contou com participação especial dos
ex-integrantes da banda (Helinho, Val e JB) e estará no DVD que o grupo
pretende lançar em 2006. Ao todo, em três horas de material, o DVD terá
também: vídeos com a história da banda em shows, desde os memoráveis
Grito Suburbano, o festival O Começo do Fim do Mundo (ambos de 1982) e
as duas turnês na Europa (1987 e 2004) até os dias atuais; cinco clipes
(três deles de Deixe a Terra em Paz); entrevistas e bastidores
da produção do DVD. O disco, que deve custar em torno de R$ 20, será
vendido em bancas com uma revista poster.
Primeiros Sintomas
Cólera 79/80: Primeiros Sintomas é o nome do disco
com as 20 primeiras músicas compostas pelo Cólera, como “Estranho
Nocivo”, “Ela Só Sabe Matar” e “Doce Libertar”. Treze das 20 músicas são
inéditas; sete já foram lançadas como bônus em outros discos. “O álbum
já está prensando e deve ficar pronto até o final de 2005 se o Roberto
Carlos não dominar a zona franca de Manaus”, lembra Redson.
A nova turnê começou em agosto e deve durar um ano. O Cólera
atualmente prepara músicas para o próximo disco de inéditas, que deve
estender o apelo pacifista e ecológico de Deixe a Terra em Paz,
segundo Redson. “Vamos falar da sobrevivência do planeta, de nós mesmos
e da vida. Punk rock tem que falar à consciência. É a nossa permanente
veia de protesto.” A banda gravou recentemente seis músicas inéditas que
serão lançadas na Europa como bônus do álbum Deixe a Terra em Paz, em preparação à próxima turnê européia em 2007 e como divulgação do próximo disco.
Os maiores hits foram regravados pelo Cólera com a participação de
convidados especiais, como Phillipe Seabra (Plebe Rude) e Nasi (Ira!),
para um outro disco (não perca a conta) que marca os 25 anos da banda.
Haverá um hino cantado por coral de crianças e uma das músicas virará
uma ópera hardcore. Para quem não se lembra, Redson co-assinou a direção
musical da primeira ópera punk encenada no País, em 2000, na cidade de
Santo André, com participação do escritor Antonio Bivar. “Conseguimos
abrir um leque de musicalidade sem perder a postura da banda”, explica
Redson sobre os projetos do Cólera. “Sempre avançamos sem repetir
fórmulas já testadas. É um traço pertinente do nosso tipo de protesto. O
que gostamos de fazer é fazer. Para entender a postura do Cólera é
preciso mergulhar em sua história." Vamos lá então.
Jazz
Responda rápido: Sarah Vaughan (1924-1990), diva negra do
jazz, tem algo a ver com o punk rock brasileiro? Então, saca só: a
música “Medo”, do trio paulistano Cólera, foi inspirada na cantora. “Num
show da Sarah na televisão, eu observava a maneira como ela cantava.
Era um arranjo triste, melancólico, quase um blues”, conta Redson.
“Inspirado nele, compus uma outra melodia. Nasceu a música ‘Medo’. A
letra tem a ver com a angústia que a Sarah passava em sua canção.”
Jazz, ópera, música popular alemã dos anos 20. Dá para imaginar que
estas sejam influências para o líder de uma das principais bandas do
punk rock nacional? “Gosto de coisas variadas, que vão de UK Subs a
ópera italiana”, diz Redson. “Quebrar as expectativas é uma das
características do Cólera. Não nos importamos com rótulos nem etiquetas,
muito menos padrões”, acrescenta Pierre.
Em dezembro de 1979, Helinho (guitarra/vocal), Redson (baixo/vocal) e
Pierre (bateria) sobem ao palco pela primeira vez. A apresentação tem
lugar na Escola Cetal, no bairro do Limão, em São Paulo. Eles tocam com
grupos da Vila Carolina, núcleo base do punk rock paulista. Duas bandas
pioneiras do movimento também estavam lá: Condutores de Cadáveres e
Restos de Nada. Mas era tudo precário. Os microfones quebraram e o som
estava péssimo. No entanto, o público gostou do Cólera, o que deu ânimo
para eles continuarem.
As primeiras influências dos irmãos Lopes Pozzi eram bandas como Kiss,
Deep Purple e Led Zeppelin, e as brasileiras Casa das Máquinas, Made in
Brazil e Joelho de Porco. A idéia de tocar rock tradicional durou até
eles ouvirem o disco The Clash (77). “Pirei”, lembra Redson.
“Era exatamente aquilo o que queria fazer.” As composições começam a
surgir num estilo mais próximo ao que seria chamado de punk
rock/hardcore, alguns anos mais tarde.
Antes de completar um ano de banda, Helinho deixa o Cólera. Redson
passa para a guitarra, assume o vocal e Val (Valdemir Pinheiro) chega
para tocar baixo. A cena punk em São Paulo começa a crescer e o grupo
faz um show atrás do outro. A exposição rende ao trio a participação
pioneira no disco Grito Suburbano (Punk Rock Discos, 82), junto com as
bandas Olho Seco e Inocentes. O histórico festival O Começo do Fim do
Mundo, que rolou no Sesc Pompéia, em São Paulo, em novembro de 82,
chamou a atenção da mídia para o movimento punk paulista, que seria o
grande precursor do punk rock nacional. E lá estava o Cólera. O disco do
festival foi lançado em 83 (Sesc). Gravado ao vivo, em apenas dois
canais, é um marco da filosofia punk do Faça Você Mesmo. “O ambiente de
desbravamento da época marcaria o Cólera para sempre”, comenta o
jornalista e escritor Antonio Bivar, um dos organizadores do festival.
Independência
Mas nem tudo foram flores. Tocando em vários lugares, o
Cólera começou a ganhar desafetos. “Quem está fazendo é sempre alvo de
quem não faz nada”, diz Redson. Ele lembra das ameaças de morte que
recebeu e dos boicotes impostos à banda por causa da atitude de
independência que sempre pautou o grupo. Segundo ele, o Cólera era uma
banda punk porque as atitudes dos seus integrantes se aproximavam das
propostas do movimento. “A busca da liberdade era a nossa meta, mas
sempre da nossa maneira, sem nos importar com os formatos que o próprio
movimento às vezes impunha.”
O primeiro objetivo era fazer um som de qualidade e coerente com a
proposta libertária da banda. Não havia bons equipamentos para tocar
naquela época? Redson gastava seu salário com eles. Não tinha lugar para
ensaiar? Ele montou um estúdio em casa, o lendário Estúdios Vermelhos,
de onde saiu a coletânea SUB (83), com Cólera, Ratos de Porão,
Psykóze e Fogo Cruzado. Não havia um selo para lançar as bandas punks? O
guitarrista abriu sua própria gravadora, a Ataque Frontal, que, em 84,
lança Tente Mudar o Amanhã, primeiro e clássico disco do
Cólera. Lança ainda as bandas Grinders (Grinders, 87), Kães Vadius
(Psychodemia, 87), Varsóvia e a coletânea Ataque Sonoro (85), entre
outros trabalhos.
O Cólera começa a divulgar suas músicas no exterior. Eles participam
de várias coletâneas na Europa e nos EUA antes de lançar aquele que é
considerado um dos dez álbuns obrigatórios do punk rock: Pela Paz em Todo Mundo
(Ataque Frontal, 85). A música “Medo” abre o disco, que ainda conta com
as clássicas “Funcionários”, “Vivo na Cidade”, “Alucinado”, “Não Fome” e
a faixa homônima, que virou o hino pacifista do movimento punk.
Ele disse não
Com grande repercussão na mídia e sucesso de crítica e
público, o disco levou o Cólera a ser cortejado por grandes gravadoras,
entre elas Warner, RCA, Continental, Polygram e EMI. No 3º Festival de
Rock de Juiz de Fora (MG), em 86, diretores da RCA foram observar o
Cólera com o contrato nas mãos, prontos para assinar com a banda. Para
Roberto Peixoto (já falecido), empresário do grupo na época, estava tudo
certo. Faltava convencer Redson.
“Não rolou”, recorda o guitarrista. Ele rejeitou o contrato da RCA por
uma razão muito simples: acredita que a cena independente não precisa
das grandes gravadoras para se desenvolver. “Eu sempre batalhei pela
cena alternativa. Tem gente muito boa e competente, além de grandes
bandas, que podem fazer uma cena forte e competitiva.”
Redson tem razão. Segundo dados da Zona Franca de Manaus, mais da
metade de toda produção de CDs no Brasil vem hoje do mercado
independente. A recusa de Redson gerou um mal estar temporário no grupo.
Mas a surpresa maior ainda estava por vir. Nos anos 80, o Cólera tocava
com bandas que viriam a se tornar famosas no cenário nacional, como
Plebe Rude, Legião Urbana, Capital Inicial, Ira, entre outras.
Naturalmente, nasceu uma amizade entre eles.
A aproximação foi maior com os integrantes da Plebe, do Capital e da
Legião. E eles abriram as portas para o Cólera na gravadora EMI. A banda
só precisava assinar o contrato. Entre a caneta e o documento, porém,
estava Redson. “Foi muito chato desfazer a surpresa que os caras
aprontaram para nós. Mas eu disse não.”
O caminho traçado por Redson para a banda não previa contrato com
nenhuma gravadora. Ele queria construir seu próprio caminho. Fazer as
próprias escolhas, sem intromissão de nenhum produtor ou diretor de
gravadora. E, principalmente, queria levar adiante a cena independente.
“A Ataque Frontal estava indo muito bem em 86. Tínhamos o disco do
Cólera que vendia muito, estávamos gravando várias bandas. Por que eu
iria jogar tudo para o alto em troca de um contrato?”, questiona ele.
Naquele momento, assinar com uma gravadora significava falir a Ataque
Frontal, pois o Cólera era a banda principal do selo. No entanto, muita
gente não entendeu o gesto de Redson. “Se eu tenho a terra, tenho o
trator e as sementes, porque vou pegar feijão no vizinho? Vale a pena
plantar seu próprio feijão”, argumenta.
Rumo à Europa
Falar em pioneirismo no punk rock hoje não significa muito,
com a atual profusão de estilos, tendências, misturas e bandas. Mas, em
meados da década de 80, havia um horizonte desconhecido a ser explorado.
A grande sacada de Redson foi organizar tudo o que dizia respeito ao
Cólera.
Antes que houvesse a internet e todas as facilidades da comunicação, a
banda criou o Centro Informativo Cólera (CIC), que vendia produtos
relacionados ao grupo, como camisetas, zines, fitas de áudio e vídeo,
bottons e posters, tudo via correio. Eles possuíam contato com mais de 3
mil pessoas no Brasil e no exterior. Trocavam informações e enviavam
notícias do Cólera regularmente.
Com isso, o mercado europeu foi ficando cada vez mais perto. Os
discos da banda vendiam muito bem lá fora e, em fevereiro de 87, com 18
shows marcados em cinco países, o Cólera embarca para o Velho
Continente. Tudo na base do trampo, sem nenhum patrocínio. A idéia era
ficar três meses. “Acabamos ficando cinco meses e fizemos 56 shows em
dez países”, ressalta Pierre.
A maioria dos concertos da turnê rolou nos “squats” - prédios
públicos abandonados, ocupados por punks para morar e criar centros
culturais alternativos. Eles tocaram em 44 cidades nos países: Alemanha
Ocidental, Suíça, Dinamarca, Bélgica, Espanha, Holanda, Noruega, França,
Países Bascos e Áustria.
Cólera foi a primeira banda de rock do Brasil a realizar uma turnê
pela Europa. Detalhe: cantando em português. Hoje, nomes como Ratos de
Porão, Olho Seco, Nitrominds, Garotos Podres, Agrotóxicos e outros,
deitam e rolam lá fora. “A iniciativa do Cólera abriu as portas da
Europa para os grupos brasileiros”, reconhece Bivar, autor do livro
O que é Punk (Coleção Primeiros Passos, Editora Brasiliense, 1982).
De volta ao Brasil, frustração: nenhum show marcado por vários meses.
Enquanto na Europa o Cólera fez parte de uma cena explosiva, unindo
vários estilos, no Brasil encontrou o underground dividido. Punks de um
lado e metaleiros de outro. Começava a explosão do thrash metal.
Sepultura e Ratos de Porão dominavam a cena. Vários deixaram o punk de
lado e partiram para o crossover, a metalização do punk rock. “Havia
espaço para todo mundo, o que eu sempre defendi, mas a cena foi ficando
cada vez mais dividida”, afirma Redson.
Cólera thrash metal?
A luta não podia parar. No final de 88, o Cólera lança o EP
É Natal?
com quatro músicas e uma das capas mais bem produzidas do punk rock
brazuca - aquela do menino negro cheirando cola ao lado de uma árvore de
Natal (desenho de Adherbal). Um ano antes sai na Europa o EP
Dê o Fora,
gravado na Bélgica durante a turnê européia. Os brasileiros registraram
os concertos na Europa no esperado Cólera European Tour ‘87, disco que
foi lançado em 89, devido a dificuldades financeiras.
Antes das gravações do próximo disco, Val decide sair. Em seu lugar é
recrutado JB (Josué Correia, ex-Traxte, de Rio Claro). Entram em
estúdio para gravar
Verde, Não Devaste! (90), primeiro álbum pela Devil Discos, atual gravadora do Cólera.
Influenciados pelas bandas européias de speed-core, o álbum sai bem
mais pesado, com a guitarra distorcida ao máximo e as músicas mais
agressivas. Ouça, por exemplo, “Parasita”, “Viva a Nossa Geração” e
“Repressão Policial”. Segundo algumas revistas especializadas, o Cólera
também se convertera ao thrash metal.
Verde, Não Devaste! surpreende ainda pela quantidade de
informações sobre ecologia, animais silvestres e materiais poluentes.
Três músicas tratam diretamente destes temas: “Verde”, “Presídio Zôo” e
“Don’t Waste It”, respectivamente. Um verdadeiro manifesto
musical-ecológico que contribuiu para divulgar o trabalho de várias
instituições ambientalistas, como o Ceacon (Centro de Estudos e
Atividades de Conservação da Natureza), que forneceu os dados para a
produção do encarte. A excelente capa do disco, obra do artista plástico
Alberto Torquato, ainda recebeu vários prêmios, como a de Melhor Capa
para os leitores da revista Bizz.
Apesar da imprensa acreditar num Cólera cada vez mais pesado, a banda preparava mais uma surpresa. O disco
1992: Mundo Mecânico, Mundo Eletrônico é
lançado em 92 e, ao contrário do anterior, as guitarras foram gravadas
sem nenhuma distorção, usando apenas a saturação dos amplificadores. É
quase um disco de garage music, muito próximo da sonoridade do Clash e
do Jam. “Nossa meta era fazer uma nova linha sonora, algo que as pessoas
ficassem se perguntando: o que é isso?”, diz Redson, mostrando que o
Cólera não seguia tendências da dita “moda”, mas fazia seu próprio
caminho.
O álbum influenciou muita gente a voltar a tocar punk rock. Para
Redson, pela visão que o grupo tinha do que estava ocorrendo e como
sempre foram considerados referência na cena, eles partiram para algo
novo, inusitado. Uma das músicas do disco, a instrumental “Fuck’n’Roll”,
codifica o que o grupo queria fazer na época. “As pessoas perguntavam
se o disco era gótico, garage music ou rock’n’roll. Buscavam rótulos
para decifrá-lo. Por isso, criamos um novo: fuck’n’roll.”
As gravações deste disco contaram com um novo baixista, Fábio Bossi ,
que entrou e não saiu mais. “Do Cólera, na época, só conhecia a música
‘Medo’”, comenta Fábio. “Mas bastaram três meses de ensaios pra aprender
todo repertório. Depois disso, shows por todo país.”
Novos sonhos
Ao completar duas décadas de vida e estrada, o Cólera
ainda nutria muitos sonhos. O primeiro foi gravar um disco perfeito,
desde a qualidade do som, passando pelas letras e pela escolha do
repertório. Gravado entre 97 e 98,
Caos Mental Geral (98) é
lançado com grande expectativa por parte da banda. O disco é composto de
cinco faixas regravadas (entre elas “Subúrbio Geral” e “Quanto Vale a
Liberdade”) e doze inéditas, destaque para “Dia e Noite, Noite e Dia”,
“Cultural Revolução”, “Qual Violência”, “Fuck IURD” (crítica bem
humorada à Igreja Universal do Reino de Deus) e a faixa-título. Nota-se
neste trabalho letras mais longas. Os temas também são mais abrangentes,
tratando desde a produção alternativa e seus críticos (“Cultural
Revolução”), o meio ambiente (“Quem é Você”), a condição da mulher (“Por
que Ela Não?”) e o próprio movimento punk (“Era”).
No entanto, faltava ao currículo um disco ao vivo, à altura da
história do Cólera. Em setembro de 99, rola um show no Hangar 110 (SP)
com Flicts, Blind Pigs e Mukeka di Rato. Em três horas de show, o Cólera
destila o melhor do seu repertório. O material foi gravado, filmado e
virou a surpreendente e ousada caixa
Cólera 20 Anos Ao Vivo
(2001), contendo um CD ao vivo (21 músicas), uma fita de vídeo (27
músicas) e um livro ilustrado (68 páginas) contando a história da banda.
Esgotada, a caixa virou item de colecionador e garimpeiros.
Atualmente tocando em várias partes do Brasil, como Recife (PE),
Londrina e Curitiba (PR), Rio de Janeiro e no Vale do Paraíba, a banda
trabalha em vários lançamentos (ver primeira parte deste texto), além de
organizar desde já a terceira excursão pela Europa, programada para
meados de 2007. A concepção de resistência continua firme entre os
componentes da banda. Eles sabem que, ao levantar bandeiras como da
independência, criatividade e ousadia, estarão sempre expostos a
críticas e bajulações.
No entanto, isso pouco incomoda a banda pois ninguém mais do que o
Cólera sabe o que significa resistir às tentações fáceis - e normalmente
inúteis - da fama. “Quando olhamos para trás e vemos nossa história,
nos enchemos de orgulho por tudo o que fizemos, sem nunca abrir mão do
nosso ideal de fazer o som do Cólera. Nada mais.” É isso.
Entrevista Exclusiva - "Criamos o fuck’n’roll!"
Em entrevista exclusiva à RP direto de São Paulo, Redson fala sobre o Cólera, cena independente, tretas e conquistas...
A cada ano que passa o Cólera investe em projetos diferentes, sempre na cena independente. De onde vocês tiram tanto gás?
Da vontade de fazer que temos, não há segredo. Não é
por dinheiro, nem fama ou reconhecimento. Se fosse, teríamos mudado de
estilo há muito tempo. Gostamos muito de tocar, compor, gravar discos e
fazer shows. Essa é a nossa vida. Ao longo desses 26 anos de Cólera (a
banda fez aniversário em 26 de outubro) conseguimos abrir o nosso leque
musical, avançamos sem repetir e perder a postura como banda.
Aquela fase de chamar vocês de traidores já passou?
Faz tempo. Ao longo destes anos todos fomos objetivos
em esclarecer nossa postura. Não nos curvamos a esse ou aquele apelo do
público, da cena, da mídia ou de quem quer que seja. Hoje está muito
divertido tocar e as pessoas não pensam mais como no passado, quando as
convenções eram mais radicais. Punk não se misturava com careca, nem com
metaleiro e nem com roqueiros, e vice-versa. Os radicais hoje são
minoria.
O Cólera sempre esteve presente, de uma forma ou de
outra, na grande mídia. Vocês participaram de diversos programas de
televisão, rádio e foram alvo de matérias em revistas e jornais. Hoje,
contudo, parece que a mídia deu às costas para a banda, com exceção, é
claro, da RP. O que você tem a dizer sobre isso?
A grande mídia hoje já não é o único espaço de peso
no Brasil. As bandas alternativas estão criando seus próprios espaços,
como rádios comunitárias ou virtuais, zines na internet e outros meios.
As bandas gringas estão vindo com muito mais freqüência ao Brasil e isso
mostra que a nossa cena independente está em plena atividade e tem
muito fôlego e qualidade. Eu sempre defendi isso. Os discos
independentes hoje representam mais da metade dos álbuns prensados em
Manaus. As bandas expoentes continuam fortes, como Cólera, Ação Direta e
várias outras. A cena está muito valorizada e o gênero rock tem uma
variedade muito grande no Brasil. A grande mídia é aquela coisa, ela vai
e volta em seu interesse. Mas não podemos esperar que a mídia abra
espaço para nós, pois conquistamos uma cena muito boa.
Qual a importância da internet nessa conquista?
A internet é uma excelente forma de comunicação
entre as bandas, as cenas e os países, além de ser tudo isso com um
custo baixo o que ajuda muito as bandas independentes. Depois que
fizemos o nosso site (
www.colera.org) os contatos aumentaram muito, especialmente com o exterior.
Como eram aqueles primeiros anos de punk rock no Brasil, lá pelo final da década de 70?
Era foda. Primeiro que eram anos de ditadura, sem
liberdade de expressão, muita repressão e falta de oportunidade. O
Cólera surgiu em 26 de outubro de 1979. O primeiro show rolou em
dezembro daquele ano, na escola Cetal, em São Paulo. Tocamos com
Condutores de Cadáveres e Restos de Nada e era tudo precário. Os
microfones quebraram, mas o show rolou e tocamos nossas primeiras
canções. E aí a coisa começou a pegar forte. Fomos lapidando o nosso som
e tocando em festivais e aparecendo em discos e coletâneas, como
Grito Suburbano e
O Começo do Fim do Mundo.
Desde aquela época já dava pra notar que o Cólera
era influenciado por outras coisas além do trio clássico Clash, Ramones e
Sex Pistols?
Sim, sem dúvida, mesmo porque nunca fomos pessoas
radicais quanto a som. Eu, por exemplo, gosto de ouvir jazz, blues,
música alemã do século 19, ópera e muitas bandas de rock. A música
“Medo”, do álbum
Pela Paz em Todo Mundo, foi inspirada num
arranjo da cantora americana de jazz Sarah Vaughan. Sabe, e daí? O que
isso importa? A música ficou mais ou menos punk por causa disso? Gosto
de coisas variadas, que vão de UK Subs à ópera italiana. Quebrar as
expectativas é uma das características do Cólera. Não nos importamos com
rótulos nem etiquetas, muito menos padrões. Entre agradar gregos e
troianos escolhemos agradar ao Cólera.
Por outro lado, essa postura deixava muita gente irritada. Como vocês superaram os narizes torcidos?
Quem está fazendo é sempre alvo de quem não faz
nada. Cheguei a receber ameaças de morte e a banda sofreu boicotes por
causa da atitude de independência que sempre nos pautou. O Cólera sempre
foi uma banda punk porque as nossas atitudes se aproximavam das
propostas do movimento. A busca da liberdade era a nossa meta, mas
sempre da nossa maneira, sem nos importar com os formatos que o próprio
movimento às vezes impunha. Nosso objetivo era fazer um som de qualidade
e coerente com a nossa proposta libertária.
Vocês chegaram também a ficar um tempo sem tocar em São Paulo. Como rolou isso?
Ficamos seis anos sem tocar em São Paulo, de 90 a
96. Nos desligamos da cidade. Era uma época em que estava rolando a
mudança de LP pra CD e a gente não tinha muita perspectiva de venda,
estava difícil pra todo mundo. E também porque o nível de violência em
São Paulo era muito grande, principalmente nos nossos shows, que viraram
pivôs de violência. Na época, o Cólera era a única banda antiga que
estava atuando. Em compensação, fizemos shows no Brasil inteiro,
inclusive em cidades que nunca tinham tido show de rock. Hoje, temos
público em qualquer lugar do Brasil que a gente vá. Isso acontece graças
a essa garimpada que demos no meio underground.
Muita gente acha que vocês poderiam ser mais
“famosos” do que são. Tipo "aparecer na Globo", em revistas da moda,
tocar em grandes festivais, ser cortejados por outros músicos. O que
vocês acham disso?
Cara, se nos importássemos com isso teríamos
feito um outro caminho. O Cólera foi alvo de diversas investidas de
grandes gravadoras ao longo da sua história, especialmente na década de
80, com Warner, RCA, Continental, Polygram e EMI. Bandas de amigos como
Plebe Rude, Legião Urbana, Capital Inicial, Ira! e outras tentaram
várias vezes nos colocar em contato com as gravadoras deles. Mas não era
o que queríamos para o Cólera. A estrada independente era a nossa meta,
manter o som que queríamos fazer, do jeito que queríamos fazer, sem ter
que abrir mão de qualquer coisa. Eu sempre batalhei pela cena
alternativa. Tem gente muito boa e competente, além de grandes bandas,
que hoje fazem uma cena forte e competitiva. Eu luto pelo mercado
independente e alternativo, e não só pelo punk. Acho que temos todas as
condições de vencer os desafios. É o que sempre digo: se tenho a terra, o
trator e as sementes, porque vou pegar feijão no vizinho? Vale a pena
plantar seu próprio feijão. Olha - e não importa se há 10, 50, 200 ou 20
mil pessoas nos concertos - a nossa energia é sempre a mesma, pois o
importante é que o público teve a iniciativa de sair de casa e vir viver
esse agito.
Vocês fizeram a primeira turnê de uma banda
alternativa na Europa, em 1987. Hoje ir para o velho continente é coisa
corriqueira. Como foi desbravar a Europa e voltar lá 17 anos depois, em
2004?
Na década de 80, nossos discos vendiam bem na
Europa e, em fevereiro de 87, com 18 shows marcados em cinco países,
embarcamos para a Europa. Foi tudo na base do trampo, sem nenhum
patrocínio. A idéia era ficar três meses. Acabamos ficando cinco meses e
fizemos 56 shows em dez países. A maioria dos concertos da turnê rolou
nos squats. Foi uma experiência incrível e que ajudou a abrir as portas
do mercado europeu para o rock alternativo brasileiro. Lembro-me de um
show em que tocamos num squat onde havia muitos tijolos amontoados num
dos cantos do prédio. Perguntei se eles serviriam para alguma reforma. A
resposta foi que não. Na verdade, eles serviam para jogar na polícia
quando eles viessem tentar desalojar os punks dali (risos). Em 2004,
voltamos à Europa para uma turnê de um mês passando por Alemanha,
França, Itália, Eslovênia e Áustria. Tivemos a oportunidade de mostrar,
de forma atualizada, o som e a energia do punk brasileiro e do Cólera,
numa festa diária, determinada e positiva. Contamos com a ótima
infra-estrutura da Alerta Antifascista e da Dirty Faces (gravadoras
independentes européias). Encontramos novos e velhos fãs. Mais do que
uma tour, fizemos uma ótima campanha pacifista, batizada de Deixe a
Terra em Paz. E estamos preparando a próxima turnê, que será em 2007.
No início dos anos 90 disseram que o Cólera também tinha virado thrash-metal. Comente...
Foi depois que gravamos
Verde, Não Devaste!.
O disco saiu muito pesado, influenciados que estávamos pelo speed-core
europeu. A guitarra nas músicas estava distorcida ao máximo e as músicas
eram mais agressivas, tipo “Parasita”, “Viva a Nossa Geração” e
“Repressão Policial”. Como as bandas estavam passando todas a tocar
metal, disseram que o Cólera também tinha sucumbido. O triste é que a
cena foi ficando dividida, mesmo tendo espaço para todo mundo, o que eu
sempre defendi. Naquela época, não apoiava nem os punks nem os
metaleiros, pois acreditava que música era universal. O pessoal tinha
que ter consciência de que a união era a única saída, como faziam os
jovens na Europa. Cada um tem o seu direito de fazer o estilo que gosta.
Não existe a traição. Os jovens de São Paulo estavam mais preocupados
em brigar entre si do que contra a massificação.
Daí vocês surpreenderam com um disco sem distorção...?
É, foi o
1992: Mundo Mecânico, Mundo Eletrônico. As
guitarras foram gravadas sem nenhuma distorção, usando apenas a
saturação dos amplificadores. É quase um disco de garage music, muito
próximo da sonoridade do Clash e do Jam. Nossa meta era fazer uma nova
linha sonora, algo que as pessoas ficassem se perguntando: o que é isso?
Provamos que o Cólera não seguia tendências da dita moda, mas fazia seu
próprio caminho. O álbum influenciou muita gente a voltar a tocar punk
rock, o que foi bem legal. Pela visão que tínhamos do que estava
acontecendo e como sempre fomos considerados referência na cena,
partimos para algo novo, inusitado. As pessoas perguntavam se o disco
era gótico, garage music ou rock’n’roll. Buscavam rótulos para
decifrá-lo. Por isso, criamos um novo: fuck’n’roll. Nas gravações deste
disco contamos com a entrada do Fábio na banda, o que foi muito legal
também.
Deixe a Terra em Paz é um grande disco, com um discurso político muito forte. É o melhor da banda?
Sem dúvida é um dos nossos melhores álbuns.
O disco lembra todo o nosso passado, mas abre espaço para
experimentações, sonoridades e ritmos diferentes. É a nossa bandeira de
resistência. Ele fala muito da parte ecológica também, da preservação do
planeta, e do pacifismo, dessa coisa da não-violência. Além disso, tem
esse lance de se enfocar muito o lado urbano de São Paulo, que no
Pela Paz
também é bem forte. Eu queria fazer um álbum totalmente amplo, fazer o
que queríamos fazer. Sempre tivemos essa coisa de quebrar barreiras. O
propósito desse álbum era estarmos felizes com o resultado e não ter
medo de quebrar as barreiras, colocando sanfona, bombardino, violão,
enfim, fazendo uma sonoridade nossa sem medo do que pudesse resultar.
Acho que Cólera é uma banda que tem uma identidade forte desde o início,
não dá pra dizer que parecemos isso ou aquilo. Acho mesmo que temos uma
linguagem própria, um jeito de compor, de tocar. Esse álbum tem pegadas
do punk rock que fazíamos no início, como “Ei Urgente” e “Trem
Subúrbio”, e coisas que estamos fazendo agora, músicas com um pouco de
pegada de metal, como “Oxigênio”, mas sem perder a linguagem Cólera.
Agora, acho que o melhor disco do Cólera é o próximo
(risos).
E hoje, o que você acha do Cólera?
Quando olhamos para trás e vemos os vinte e
seis anos do Cólera, nos enchemos de orgulho por tudo o que fizemos,
sem nunca abrir mão do nosso ideal de fazer o som do Cólera. E seguimos
em frente porque as pessoas que gostam de nós sempre estarão nos
acompanhando. O que plantamos, plantamos fundo, para ter certeza de que a
árvore ia nascer alta. E deu certo. Sempre deu certo.
Curiosidades
Diversas bandas gravaram seus primeiros
trabalhos com instrumentos emprestados do Cólera ou com participação de
integrantes da banda. Eis algumas: Garotos Podres, Olho Seco, Grinders,
Lobotomia, Anarcoólatras.
Serginho Groisman apresentava o programa Matéria
Prima, na TV Cultura, no final da década de 80, quando escalou o Cólera
para tocar ao vivo. O maestro Júlio Medalha, notório crítico do rock,
também participava do programa. Ao ouvir o Cólera, ele não deixou de
fazer críticas à banda, desqualificando o trabalho do grupo. Em
resposta, Redson lhe perguntou: “Você acha que alguém como eu, que mora
na periferia e toca numa banda de punk rock, ouve música clássica?” O
maestro respondeu de pronto: “Claro que não”. E Redson concluiu: “Pois
saiba que eu escuto seu programa de música clássica todas as semanas.
Não tenho preconceito”. O maestro levou uma solene vaia do público
presente.
O baixista do Cólera, Fábio Bossi, é técnico da
Seleção Brasileira Júnior de Hóquei sobre Patins, além de comandar o
time do clube do Banco do Brasil do mesmo esporte, em São Paulo. De 1995
a 2000, ele foi goleiro titular da Seleção Brasileira de Hóquei,
disputando vários campeonatos mundiais.
O Cólera tocou com as grandes bandas de
Brasília (Plebe Rude, Legião Urbana, Capital Inicial, Detrito Federal
etc) em meados dos anos 80. No início, os grupos abriram vários shows do
Cólera que, na época, contava com maior reconhecimento do público. A
amizade entre eles fez com que a Plebe passasse a incluir “Medo” em seu
repertório, e o Cólera uma versão hardcore de “Até Quando Esperar”.
Redson tocou em vários projetos paralelos,
entre eles Rosa Luxemburgo e a banda The Cult Cover, na qual ele apenas
cantava.
Em novembro de 1987, andando pelo centro de
São Paulo, Redson é reconhecido por Eno, baixista da banda filandesa
Lama, que passava férias no Brasil. Eles se conheceram durante a turnê
européia do Cólera, num show em Oslo (Noruega). Semanas mais tarde,
ambos dividiram o palco num show-manifesto no Largo São Francisco (SP).
Redson está escrevendo seu livro de
memórias, que terá o nome de “Caquinho, o Punk Vermelho”. Misturando
realidade e ficção e narrado na terceira pessoa, a obra contará a
história do líder do Cólera e seu envolvimento com o rock nacional,
desde os anos 70.
O Cólera abriu o 3º Festival SP Punk, que
aconteceu em 19 de outubro de 2002, em São Paulo. Redson ainda tocou
guitarra numa banda chamada Contra Ataque, formada por um integrante de
cada uma das quatro bandas que participaram da coletânea SUB (1983). São
eles Redson (guitarra/Cólera), Morto (vocal/Psykóze), Frango
(baixo/Fogo Cruzado) e Betinho (bateria/Ratos de Porão). Eles tocaram
músicas daquele disco.
Na primeira semana de novembro de 2002,
rolou em São Paulo a terceira parte da trilogia do “Fim do Mundo”,
inaugurada em 82 com o festival “O Começo do Fim do Mundo”, passando
pelo “A Um Passo do Fim do Mundo” (2001), culminando no multi-evento “O
Fim do Mundo - 20 Anos de Cultura Punk”. Foram 50 bandas escaladas para
se apresentar nos oito dias de festival. O Cólera abriu o segundo dia,
tocando com suas três formações: Helinho no vocal e guitarra, depois Val
no baixo e por fim Fábio.
Na segunda turnê européia (abril/2004),
Redson conta que tocou em lugares nos quais o Cólera já havia passado em
1987. O curioso é que ele reencontrou fãs daquela época que vieram ver a
banda juntamente com seus filhos adolescentes. “Tocamos para duas
gerações de fãs do Cólera”, diz Redson.
Redson e João Gordo (Ratos de Porão)
foram amigos de longa data. Andavam juntos pelas ruas de São Paulo no
começo do movimento punk. “A gente era moleque, andamos juntos um
tempo”, conta Redson. Ocorreu que, com o surgimento das bandas de
hardcore mais rasgado, como as finlandesas Kaaos, Terveet Kädet e
Riistetyt, Gordo passou a considerá-las as “verdadeiras bandas punk”,
tornou-se um radical e começou a criticar o Cólera. “Um dia, na Baratos
Afins (gravadora de SP), a gente discutiu, batemos boca mesmo, e nunca
mais nos falamos”, lembra Redson. Daí, com o estouro do Ratos na fase
metal, as críticas ficaram ainda piores. Virou quase uma lenda a briga
entre Gordo e Redson. Só que o líder do Cólera permaneceu em silêncio
desde o começo, sem revidar. Ele explica os motivos: “Eu nunca tive nada
contra o cara, quero mais é que ele seja feliz, que ele tenha saúde,
que a banda dele vá pra frente e dê certo”. E, quanto mais Redson era
indiferente ao caso, mais Gordo atacava. Resultado: os dois ficaram 17
anos sem se falar. Eis que, um dia, Gordo desiste de falar mal do Cólera
e resolve, literalmente, pedir desculpas a Redson. E o faz num programa
de rádio, ao vivo. De lá para cá, Gordo passou a elogiar o trabalho da
banda, mostrar seus novos sons na MTV e convidá-los a participar dos
seus programas. “Nada como um dia depois do outro”, filosofa Redson. “Eu
fico feliz de não ter peso na consciência, pois não falei um ‘A’ contra
o cara em entrevista nenhuma. E olha que me cutucaram. Mas eu estou
dentro de uma coisa que se chama punk que prega a liberdade de
expressão. Se eu meto o pau no Bush, estou sujeito também, então é isso
aí”.
Em 1998, na cidade de Santo André (SP),
Redson fez parte de uma experiência o mesmo tempo inusitada e
histórica. Participou na direção musical do espetáculo “Ópera Punk”,
escrito pelo jornalista Antonio Bivar e dirigido por Antonio de Pádua,
ex-vocalista da banda Passeatas. A peça foi encenada pelo grupo Motim
Punk, de Santo André, formado por músicos e pessoas ligadas ao movimento
punk. Em 2006, a experiência pode se repetir. O Cólera está compondo
músicas para marcar, em disco, os 25 anos da banda. Entre essas músicas,
deve estar uma espécie de ópera, que poderá até ser encenada. “É uma
idéia a ser considerada”, diz Redson.
Discografia
Tente Mudar o Amanhã (1984)
Pela Paz em Todo Mundo (1985)
Ao Vivo no Teatro Lira Paulistana - Cólera e Ratos de Porão(1986)
É Natal? (EP, 1988)
Cólera European Tour’87 (1989)
Verde, Não Devaste! (1990)
1992, Mundo Mecânico, Mundo Eletrônico (1992)
Caos Mental Geral (1998)
Cólera 20 Anos Ao Vivo (2002)
Deixe a Terra em Paz (2004)
Coletâneas Nacionais
Grito Suburbano (1982)
SUB (1983)
Começo do Fim do Mundo (1983)
Ataque Sonoro (1985)
Tributo ao Olho Seco (2000)
Coletâneas internacionais
Beating the Meat (1984, Inglaterra)
Empty Skulls Vol. 2 (1986, EUA)
Bunker (1987, Alemanha)
Dê o Fora (EP, 1987, Bélgica)
1984, The Third Sonic World War (1989, França)
Pela Paz e Tente Mudar o Amanhã (1995, Finlândia)